julho 19, 2006

Manuscrito Saragoça


A euforia passou. Vasculhei meia dúzia de videolocadoras e nada. Ninguém jamais ouviu falar do filme. Mas ele existe – agora eu sei. E para fazer a resenha que prometi, só me resta puxar pela memória alguns detalhes de Manuscrito Saragoça e tentar, com essas lembranças, provar para vocês que o filme que eu jamais consegui assistir outra vez é excelente. A começar pela estrutura narrativa. O livro, escrito pelo polonês Jan Potocki (1761-1815) - um conde meio doido que se envolveu com sociedades secretas, contribuiu para o nascimento da etnologia, jurava que era um lobisomem e, finalmente, cometeu suicídio - é uma espécie de Mil e Uma Noites, com histórias entrelaçadas que adquirem certa autonomia. Esses contos que se inserem uns nos outros também funcionaram muito bem nas mãos do diretor Wojciech Has (1925-2000), outro polonês. O filme baseado no romance de Potocki foi lançado em 1965 e manteve o caráter épico e surreal do texto original. São histórias cujos temas variam do erotismo ao terror, do filosófico ao humor, sempre com situações inusitadas. O filme se inicia no meio de uma guerra. Um jovem soldado descobre no meio de um duelo um antigo livro que conta a história de seu avô, Alphonse van Worden. Os inimigos param de duelar e começam a ler o livro. São as aventuras de seu ancestral, o que ele encontra, imagina, sonha ou lê em Sierra Morena, Espanha, em seu caminho até Madrid. A partir daí é um desfile de personagens exóticos: ciganos, ladrões, cabalistas, as gêmeas mouras, que o personagem passa a noite na assombrada estalagem Venta Quemada, os enforcados irmãos De Zoto (conhecidos como Los Hermanos ), o demoníaco Pacheco... O filme explora bastante o mistério e o caráter onírico da narrativa. Também é bastante bem humorado, o que me lembra muitos filmes de Buñuel. Não sabemos até que ponto Alphonse está delirando. E o que esperar? Afinal, é a história da história sobre a história que alguém sonhou que estava contando.