fevereiro 25, 2005

O exílio pelo tempo

Semana passada o filósofo e antropólogo Claude Lévi-StraussLevi-Strauss (que provavelmente jamais vestiu uma calça jeans) deu uma entrevista ao jornal Le Monde (que não deixo de vasculhar toda a manhã no meu café) falando sobre diversos assuntos, entre eles o Brasil. Não foi, porém, os principais temas que me chamaram a atenção, mas sim uma resposta melancólica e fria sobre a sensação de se estar e pensar no mundo aos 96 anos. Ao ser perguntado o que poderia dizer sobre o futuro, respondeu exatamente o seguinte:

Claude Lévi-Strauss - Não me pergunte nada desse tipo. Nós estamos num mundo ao qual eu já não pertenço mais. Aquele que eu conheci, aquele que eu amei, tinha 1,5 bilhão de habitantes. O mundo atual conta 6 bilhões de humanos. Ele não é mais o meu. E aquele de amanhã, que estará povoado por 9 bilhões de homens e de mulheres --mesmo que esta seja uma estimativa máxima de população, conforme nos garantem para nos consolar - me impede arriscar toda e qualquer previsão...

Senti o peso da efemeridade de simplesmente... tudo. Imaginei que este homem viu “o mundo que amou” ir embora ano após ano junto com as mortes dos amigos e amores, as mudanças de valores, as mudanças na música, no cinema, na comida, nas cidades enfim, de tudo o que amamos e compartilhamos, como a genial e insubstituível prática de se sentar numa mesa de bar e beber o primeiro gole do chope gelado (sem antes brindar, é claro, para não afetar anseios fundamentais. Aliás, essa prática vale uma tese. Porque de todas as manias, a de brindar o chope antes de beber é a mais temida por todos? Loucos, poetas, ricos, pobres, feios, bonitos... Por que não importa se você é cético ou místico, o possível castigo de não se brindar o primeiro chope é simplesmente muito penoso).

Voltando ao assunto desviado por uma boa causa. Ao ler essas palavras de um homem que espera pela morte sem poder imaginar nem os próximos cinco anos, me perguntei se esse mundo pertencia a mim ou o que significava ter um mundo que me pertence. Cheguei à conclusão de que Lévi-Strauss não estava falando de um mundo objetivo - que não pertence a ninguém. Eu, por exemplo, não sei chegar em Bento Ribeiro, se o mundo fosse meu eu saberia-, mas sim da sua incapacidade pessoal de se relacionar subjetivamente com as mudanças que atestam a efemeridade de tudo àquilo que pertence a qualquer mundo (seu ou não, amado ou não). O mundo que ele amou não existe mais, isso o torna incapaz de amar outro mundo? Será que eu vou desejar estar neste mundo quando tudo aquilo que eu conheci morrer ou se tornar história?
A partir de hoje tenho novos planos. Vou amar ainda mais esse mundo com muita cerveja, gorduras de todas as naturezas, colesterol, cafeína, carboidratos e também me ausentarei da prática de qualquer exercício físico que beneficie o coração e previna a diabetes (exceto os que envolvem uma bola de futebol e outras coisas com curvas). Porque afinal de contas, eu não quero morrer depois do meu mundo. Prefiro ser a história dele do que historiador.
texto desengavetado por João Rabello